Itália, Alemanha e Espanha entram na corrida por trabalhadores estrangeiros
- Vivo Migrações

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Profissionais brasileiros despontam no mercado pela facilidade de adaptação e pela proximidade cultural com a Europa. Portugal começa a ficar em desvantagem.

Após um período marcado por políticas migratórias mais restritivas, muitas delas impulsionadas por partidos de extrema-direita, diversos governos europeus começam a reconhecer a realidade que se impõe. Com a falta de trabalhadores atingindo múltiplos setores econômicos, esses países passaram a adotar uma postura oposta, implementando iniciativas para atrair mão de obra estrangeira, sobretudo de brasileiros. Itália, Alemanha e Espanha tornaram-se exemplos centrais desse movimento.
Durante os primeiros seis meses do ano, a gestão da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, empenhou-se em limitar o acesso à cidadania italiana e endurecer as regras de entrada de imigrantes. Um projeto rigoroso nesse sentido foi aprovado pelo Parlamento e aguarda análise da Suprema Corte, que avaliará sua constitucionalidade. Porém, mesmo antes da decisão final da Corte, o governo recuou parcialmente e passou a criar mecanismos para atrair descendentes de italianos de sete países, incluindo o Brasil. O motivo do recuo: sinais claros de desaceleração econômica provocados, principalmente, pela carência de trabalhadores.
“A realidade se impôs”, observa o advogado Fábio Pimentel, especialista em migração. Ele explica que, no referencial econômico neoclássico, três variáveis sustentam o crescimento: capital, avanço tecnológico e força de trabalho. O capital circula livremente, o progresso tecnológico pode ocorrer sem a presença física de grandes contingentes de pessoas, mas a mão de obra depende de indivíduos reais. “Não há como ‘inventar’ trabalhadores”, afirma. “Sem gente para trabalhar, não existe expansão econômica.”
Pimentel destaca que, na Itália, a escassez não atinge apenas a indústria, o agronegócio e o comércio. A área da saúde, vital para qualquer Estado, também enfrenta forte déficit. Estima-se que mais de 65 mil postos estejam abertos em hospitais públicos e privados, envolvendo médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Para preencher essas vagas, o governo oferece salários que podem chegar a 7 mil euros mensais, além de passagens aéreas, moradia e cursos de língua.
A necessidade de contratar é tão urgente que o país publicou o Decreto Milleproroghe, que flexibiliza temporariamente o reconhecimento de diplomas estrangeiros, permitindo que os profissionais iniciem suas atividades antes da validação formal. Essa flexibilização abrange ainda setores de infraestrutura e turismo. “Mesmo governos de perfil radical acabam cedendo quando a falta de trabalhadores compromete o funcionamento da economia. Não se pode ignorar que a Europa é um continente envelhecido; o contingente imigrante torna-se essencial para suprir as demandas produtivas”, reforça.
A perspectiva familiar
Para a advogada Tatiana Kazan, igualmente especializada em imigração, os brasileiros possuem vantagens competitivas nesse cenário global. Segundo ela, a adaptabilidade, o interesse em carreiras internacionais e a formação qualificada fazem dos profissionais do Brasil um público altamente desejado. Ela também recorda a relevância do histórico migratório: a Itália possui uma das maiores comunidades descendentes fora da Europa, cerca de 30 milhões de ítalo-brasileiros, além da forte presença de famílias de origem alemã no Sul do país. Para Kazan, esse laço cultural facilita a integração e reforça o interesse europeu em absorver brasileiros.
A advogada ressalta que a Alemanha está particularmente interessada em recrutar brasileiros para setores como Tecnologia da Informação, engenharia, logística e saúde. Não por acaso, o país simplificou o acesso a vistos de trabalho, incluindo o Chancenkarte (Cartão de Oportunidades), que permite que o profissional permaneça por até um ano procurando emprego em solo alemão.
Como complemento, acordos bilaterais entre Brasil e Alemanha aceleram o processo de reconhecimento de diplomas (Anerkennung in Deutschland) para profissionais qualificados, especialmente enfermeiros e especialistas em logística, garantindo também a possibilidade de levar familiares e permitir que o cônjuge obtenha autorização de trabalho. Para Tatiana, essas condições colocam a Alemanha à frente de Portugal, que recentemente endureceu as regras relacionadas ao reagrupamento familiar.
“Com as atualizações mais recentes da Lei de Estrangeiros, Portugal perde força na disputa por talentos, principalmente os mais qualificados”, afirma. Ela observa que isso já era perceptível quando se analisavam os salários mais baixos pagos em território português em comparação com outros Estados europeus. A Espanha, por exemplo, oferece remunerações superiores às de Portugal. Além disso, o governo de Pedro Sánchez flexibilizou os processos de regularização de imigrantes já residentes no país e introduziu medidas mais abertas para novos migrantes.
O custo do retrocesso
O CEO da Aliança Global Group, Fábio Knauer, apresenta uma visão mais prudente sobre as ofertas de emprego anunciadas por países europeus. Para ele, após um ano marcado por retrocessos expressivos na legislação migratória, seria natural que os governos reexaminassem suas políticas. Contudo, segundo Knauer, grande parte das declarações de flexibilização ainda se encontra no terreno da promessa, pois muitas das medidas divulgadas dependem de regulamentação antes de se tornarem efetivas.
Apesar disso, ele acredita que avanços concretos deverão ocorrer no próximo ano, uma vez que as nações precisam demonstrar recuperação econômica. Knauer observa que os profissionais brasileiros têm vantagens competitivas por serem, de modo geral, pessoas pacíficas, culturalmente próximas dos europeus e versáteis para exercer diferentes funções. Ele salienta, porém, a importância de que as políticas migratórias valorizem o núcleo familiar, uma vez que a integração plena depende de estabilidade e apoio doméstico para quem se estabelece em outro país.
Segundo ele, 2025 foi marcado por decisões tomadas “com o fígado”, isto é, motivadas por critérios políticos e ideológicos que ignoraram indicadores econômicos fundamentais. Agora, com a falta evidente de trabalhadores, o risco de queda na produtividade e o potencial colapso de serviços públicos, os governos deverão ajustar suas políticas, transformando a imigração em uma pauta de Estado, e não apenas de governo. “Por isso, tenho boas expectativas para 2026”, afirma Knauer. Ele conclui enfatizando que Portugal está em posição desfavorável na captação de mão de obra e que os impactos dessa condição serão perceptíveis nos próximos cinco anos.
Fonte: Portal Público PT



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